Fortaleza soma mais dois despejos à terrível realidade verificada no Observatório de Remoções. As ações ocorridas não são casos isolados, mas reflexos da forma como o poder público vem encarando a política habitacional e de uma série de eventos que tiveram seus contornos mais dramáticos hoje.
A primeira ação de remoção ocorreu no bairro Carlito Pamplona, onde famílias do conjunto habitacional Dom Hélder Câmara, viram seus direitos negados e, na tentativa de resistir, foram duramente reprimidas pela Equipe do Batalhão de Choque (PM).
As 56 famílias que moram nos espaços livres do conjunto, também conhecido como ‘’Carandiru’’, foram surpreendidas na manhã desta terça-feira (17) com a execução de despejo sem ordem judicial ou liminar de reintegração de posse. A ação foi promovida por um funcionário autoidentificado como sendo ligado ao Governo do Estado através da Secretaria das Cidades.
Sem qualquer informação de quem partiu a ordem e sob a justificativa que as moradias são irregulares no local, relatos informam que já foram cerca de 10 casas demolidas e que, entre os moradores, um idoso com deficiência física foi despejado.
A truculência da ação ainda parece ser mais nítida quando se verifica que todas as 56 famílias têm vínculo de parentesco com os moradores regulares do conjunto Dom Helder Câmara e são derivados de apartamentos originais, dos quais retiram o devido fornecimento de água e luz, segundo informações da Defensoria Pública. Além disso, numa tentativa de permanecer com seus vínculos sociais e espaciais, as primeiras casas construídas nessa situação têm cerca de 4 anos, tendo a última sido erguida em outubro de 2017.
A difícil situação dessas famílias se arrasta desde o dia 23 de março, quando uma primeira tentativa de remoção das 56 casas foi feita pela Polícia Militar junto à Guarda Municipal. À época, conseguiram chegar a um acordo com a comunidade onde somente as casas desocupadas seriam demolidas, totalizando, nesse caso, 3 casas. Outras 4 ainda não foram derrubadas por se compreender que afetariam a estrutura total do condomínio original.
A segunda ação ocorreu também na manhã do dia 17 na comunidade Jardim das Oliveiras, localizada no Conjunto Tasso Jereissati. O despejo, realizado pela Guarda Municipal e pela Polícia Militar, contou com uso de caminhões do Governo do Estado do Ceará, de tratores e de forte armamento policial.
Ainda que algumas viaturas da Regional VI estivessem presentes, não houve apresentação da ordem de despejo, apesar da Guarda Municipal alegar que a ordem partiu da própria Regional VI.
A comunidade em questão já ocupa a área há mais de um ano e é composta por 33 famílias, nas quais existem idosos, mulheres grávidas, diversas crianças e deficientes físicos, e teve hoje inúmeros barracos destruídos e, inclusive, 5 casas de alvenaria construídas recentemente demolidas. Segundo os moradores, a Guarda também teria dado um prazo de 10 dias para retirada dos porcos criados na área, utilizados para a subsistência dos próprios moradores.
Da mesma forma que o primeiro caso, o dilema enfrentado por essas famílias se arrasta, causando diversos incômodos à comunidade. No dia 09 de abril, integrantes da guarda ambiental, notificados por meio de uma denúncia, recolheram os materiais de construção da comunidade que estavam sendo utilizados para as construções em alvenaria iniciadas recentemente.
Ambas as ações reforçam os dados apontados pelo Observatório das Remoções de Fortaleza. Segundo o levantamento realizado entre janeiro de 2009 e setembro de 2017, mais de 28 mil famílias sofreram ameaça ou foram removidas na região metropolitana de Fortaleza (RMF). Desse total, quase 23 mil ocorreram apenas na capital. Retirando as ameaças, foram removidas de fato mais de 13 mil famílias na RMF e mais de 11.700 em Fortaleza. A situação ainda parece piorar quando se percebe que só no ano de 2017 foram registradas mais de 1.440 famílias removidas em Fortaleza, um dos anos com mais ocorrências dentre os levantados.
Além de tudo que foi exposto, da agressão e do imediatismo da ordem de despejo sofrida pelos moradores hoje, é importante deixar claro que não foram oferecidas alternativas de moradia às famílias desabrigadas. A Prefeitura e o Governo do Estado parecem esquecer que existem mais 160 mil famílias cadastradas no Programa Minha Casa Minha Vida através da HABITAFOR e que, em Fortaleza, mais de 40% de sua população vive em moradias precárias segundo dados do PLHIS.
A adoção de remoções violentas e sem ordem judicial é um reflexo direto de uma política pública habitacional negligente e insuficiente. Através de ações como as ocorridas hoje, que culpabilizam a população pela sua condição de ser, de morar e de existir, demonstram, também, um poder público que, nesse caso, só contribui para a construção de um contexto social cada vez mais desigual.
Fotos: Julianne Melo