MAIS DE 1.440 FAMÍLIAS REMOVIDAS EM FORTALEZA SÓ ESTE ANO.

Em Audiência Pública moradores e academia chamam a atenção para os inúmeros casos de remoções feitas em desacordo com a legislação e para a falta de política pública que garanta o direito à moradia digna.

Observatório de Remoções – Fortaleza

Na última sexta (01/12/2017), a audiência pública, promovida pelas Comissões de Direitos Humanos da Câmara Municipal e da Assembleia Legislativa, presidida pela vereadora Larissa Gaspar, debateu sobre as remoções, as violações dos procedimentos legais e as políticas de habitação para a população de baixa renda, em Fortaleza. Na ocasião, muitos moradores de comunidades removidas ou ameaçadas de remoção denunciaram atos da Prefeitura. A audiência também serviu para o lançamento do Observatório das Remoções, um projeto de extensão criado pelo Laboratório de Estudos da Habitação (Lehab), da Universidade Federal do Ceará, em parceria com o Escritório Frei Tito de Alencar, o NUHAN da Defensoria Pública Geral do Estado, e o Observatório de Remoções de São Paulo do LabCidade – USP.

No evento, o professor Renato Pequeno, coordenador do Lehab, tornou público os dados coletados pelo Observatório das Remoções, de 2009 a setembro de 2017. Os resultados foram obtidos através das fichas de atendimento cedidas pelo Escritório Frei Tito de Alencar e a Defensoria Pública Geral do Estado. O projeto pretende continuar a coleta, agora, contando também com os dados do Escritório Dom Aloísio Lorscheider, ligado à Comissão de Direitos Humanos da Câmara Municipal.

De acordo com os mapas apresentados pelo professor, a política de habitação na cidade já se resumia a remoções desde 1973, quando foi implantado o programa de erradicação de favelas, do qual mapeou as que estavam em áreas consideradas privilegiadas. “Quando o [deputado] Renato Roseno tava falando antes da força que tem o mercado imobiliário para planejar a cidade, não é novidade”, afirmou durante a audiência.

No período analisado pela pesquisa do Observatório das Remoções (2009 a setembro de 2017), mais de 28 mil famílias foram ameaçadas ou removidas na Região Metropolitana de Fortaleza, sendo quase 23 mil, só em Fortaleza.

Durante a fala, Wagner de Sousa, advogado da Habitafor, relatou que a política de habitação, em Fortaleza, é concentrada na parceria entre Prefeitura, Governo do Estado e o programa federal Minha Casa Minha Vida, que, segundo ele, tem dado certo. Ainda, o advogado informou sobre as unidades habitacionais do Minha Casa Minha Vida que estão para ser entregues pela Prefeitura, um total de mais de 15 mil unidades habitacionais divididas nos conjuntos Alameda das Palmeiras, Cidade Jardim 1 e 2 e José Euclides. Porém, enquanto isso, há mais de 160 mil famílias cadastradas na Habitafor a espera do sorteio das unidades. Wagner anunciou, também, que a previsão orçamentária, para 2018, é de 70 milhões de reais, não informando o quanto desse recurso é efetivamente para construção de moradias nem se elas serão feitas em áreas com infraestrutura.

Ao tratar sobre os procedimentos das remoções promovidas pelo município, o advogado da Habitafor comunicou que, geralmente, as ocupações estão em áreas verdes. Assim, de acordo com Wagner, a Prefeitura é pressionada pelo Ministério Público para que desocupe essas áreas, enquanto que o único direcionamento para as famílias removidas é o cadastro na Habitafor. Para executar as remoções, o judiciário garante que a Prefeitura aplique a autoexecutoriedade, sem necessitar do devido processo legal.

O Defensor público José Lino Fonteles destacou que caso a remoção ocorra depois que as famílias já estão instaladas, não importa se estão a pouco tempo no local, o município deve proceder de acordo com as normativas legais existentes incluindo a emissão de ordem judicial. A aplicação de autoexecutoriedade para remover famílias só pode proceder se for feito no memento em que as famílias estão ocupando.

De acordo com os dados sistematizados pelo Observatório de Remoções de Fortaleza, 53% dos casos de remoção concorreram sem ordem judicial ou administrativa, e em 61% dos casos foi relatado violência na ação de remoção.

O chefe da Guarda Municipal, Rômulo de Almeida também comentou sobre os procedimentos das remoções. Segundo ele, a Guarda não as executa, mas garante a segurança das entidades responsáveis pelo despejo. “Nós orientamos todos nossos servidores a agir dentro da estrita legalidade. Quando ocorre algum risco a quem está trabalhando, nós atuamos para cessar”, afirma, de forma a usar os equipamentos de “baixa letalidade”.

Na audiência estavam presentes as comunidades Danilo Pinto, Comunidade do Alto – do Morro Santa Terezinha -, Vila Vicentina, Deus é Fiel, Nova Cajazeiras, Mirasol, Terra Prometida 1 e 2, Aldaci Barbosa, Gregório Bezerra, dentre outras. Alguns moradores aproveitaram o espaço de fala para fazer denúncias de ações da Prefeitura. De acordo com uma senhora de uma das comunidades presentes, que não quis se identificar, recentemente, policiais subiram o morro para ameaçar os ocupantes, “vocês querem correr daqui com bala de borracha de novo? Falaram [a Guarda Municipal] desse jeito”. Além disso,  moradora denunciou que na comunidade houve a queima de materiais dos ocupantes pelos funcionários da Prefeitura, Polícia Militar e Guarda Municipal. “Vocês abrem a boca pra dizer que é uma área verde, mas chegaram lá queimando tudo. Aí quem levou a culpa fomos nós”.

Por fim, foram tirados os seguintes encaminhamentos: garantir a gestão democrática da cidade com a criação do Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano – CMDU; encaminhar a denúncia sobre a Comunidade Santa Terezinha, com as imagens que retratam as violências ocorridas no local, para a Guarda Municipal, a Corregedoria da Guarda e a Corregedoria da Polícia; cobrar as vistorias de imóveis que estão abandonados que foram solicitadas a AGEFIS; oficializar a denúncia sobre o aterramento de lagoa na Comunidade Cajazeira pela empresa Queiroz Galvão e denuncia sobre utilização de terreno público para construção e MCMV para servidores com renda acima da faixa 1 do programa; cobrar da Prefeitura de Fortaleza que trate a questão dos despejos de uma forma mais humana e não de uma forma apenas patrimonial, para que priorize a vida humana, prevendo uma política de reassentamento das famílias, em caso de remoções, bem como, que haja destinação para essas áreas, que precisam cumprir sua função social; entre outros.

 

Concentração das remoções em Fortaleza de 2009 a setembro de 2017. Fonte: LEHAB, EFTA e NUHAN, 2017

*Reportagem produzida por Aline Medeiros estudante do Curso de Comunicação Social da UFC e bolsista do lehab.

Compartilhar:

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *