Evocados e estabelecidos pelo Estatuto da Cidade os instrumentos urbanísticos são de extrema importância para a consolidação, alteração e condução da expansão do espaço urbano de uma cidade. São voltados em sua maioria para os campos do desenvolvimento urbano e da promoção de uma gestão democrática da cidade, porém também contemplam os campos da preservação ambiental e do patrimônio histórico.
Diante disso, o Plano Diretor Participativo de Fortaleza de 2009 (PDP 2009), Lei Complementar N° 62/2009, atende ao estabelecido na lei federal de 2001. Apresenta, assim, instrumentos urbanísticos referentes tanto a institutos tributários e financeiros quanto a institutos jurídicos e políticos, evidenciando os intuitos iniciais da idealização de tais instrumentos. Estes seriam o de influir sobre aplicação de tributos e na dinâmica de valorização de espaços da cidade, entretanto também atuar na identificação, regularização fundiária e proteção de assentamentos precários, além da promoção do acesso democrático ao espaço urbano e, consequentemente, ao direito à cidade.
Assim, a função do PDP 2009 é de localizar esses instrumentos no território e discorrer brevemente sobre sua aplicação em meio ao planejamento urbano e às dinâmicas sociais e imobiliárias da cidade, apresentando áreas e metodologias para sua aplicação. Os instrumentos urbanísticos estão distribuídos pelo PDP 2009, mas recebem capítulos específicos no caso dos instrumentos de política urbana e de regularização fundiária – capítulos IX e X respectivamente.
Frente a isso, apresenta-se uma breve definição dos instrumentos – alguns serão melhor desenvolvidos no próximo texto, a fim de compreendermos sua aplicação em Fortaleza.
Parcelamento, edificação e utilização compulsórios (PEUC): estão sujeitos a esse instrumento os imóveis não edificados, subutilizados ou não utilizados localizados em todas as zonas da Macrozona de Ocupação Urbana, exceto nas Zonas de Ocupação Restrita (ZOR). Essas zonas fazem parte do zoneamento do Plano Diretor e consistem em áreas de ocupação dispersa, com carência ou inexistência de infraestrutura e equipamentos públicos e presença de terrenos não utilizados. Os objetivos desse tipo de zona são o de ordenar e controlar ocupações urbanas nessas áreas, para evitar que ocorram de forma irregular e em áreas ambientais, e implantar ou complementar a infraestrutura básica apenas nas áreas ocupadas.
IPTU progressivo no tempo e a desapropriação em títulos da dívida pública: consiste na cobrança de IPTU progressivo no tempo durante 5 anos sem que o proprietário tenha cumprido a ação anterior de parcelar, edificar ou utilizar. Inicialmente por meio do instrumento já abordado PEUC, o proprietário receberia uma notificação do poder público, a qual daria a este proprietário o prazo de um ano para realizar parcelamento, edificação ou utilização do terreno. Caso o terreno continue inutilizado após 1 ano, iniciaria-se a cobrança do IPTU progressivo. Após 5 anos da cobrança do IPTU progressivo – aumento este com limite de 15% da alíquota por ano o Município pode desapropriar o imóvel ou terreno com pagamento em títulos da dívida pública para finalmente dar uma função social ao mesmo.
Outorgas Onerosas do direito de construir e de alteração do uso do solo: consistem respectivamente na autorização legal para se edificar acima do índice de aproveitamento básico até o índice de aproveitamento máximo por meio do pagamento de contrapartida e na alteração do tipo de uso registrado da edificação e mudança dos índices urbanos na implantação através de contrapartida do particular ao município. Por exemplo, quando em uma determinada zona da cidade só se poderia construir até 25 pavimentos, mas é possível o proprietário pagar um valor ao Município (a contrapartida) e realizar a construção até o valor máximo de área construída permitido pela legislação municipal, Plano Diretor e Lei de Uso e Ocupação do Solo, esta é a outorga onerosa do direito de construir. Já a outorga de alteração do uso do solo consiste na diminuição dos recuos (distância do prédio para o limite do terreno) da edificação e na inclusão de um novo uso ou atividade que não eram previstos para aquela unidade imobiliária, ou seja, se na legislação fosse previsto usos comerciais e institucionais para essa unidade imobiliária, o proprietário poderia realizar o pagamento de uma contrapartida para o Município para mudar o tipo de uso permitido naquela área para um uso residencial, por exemplo.
Transferência do direito de construir: consiste em transferir o potencial construtivo (a área máxima que se pode construir em um terreno específico) total ou parcialmente para outro local ou empreendimento de mesmo proprietário. Por exemplo, quando um determinado terreno está em uma zona urbana que permite certa área de construção, mas apresenta outras limitações quanto ao máximo que pode ser construído devido a sua localização em zoneamentos ambientais, o proprietário do terreno pode transferir para outro terreno de sua posse o potencial construtivo do primeiro terreno. Ou seja, a diferença de área entre o máximo que é permitido construir pela zona urbana e o máximo que é permitido construir pela zona ambiental poderá ser transferido para outro terreno do mesmo dono, possibilitando que este novo terreno ultrapasse o estabelecido em lei como índice de aproveitamento básico.
Consórcio Imobiliário: consiste na viabilização de planos de urbanização ou edificação por meio da transferência do imóvel pelo proprietário ao Município. Após o término das obras, o proprietário recebe como pagamento unidades imobiliárias devidamente urbanizadas ou edificadas. Geralmente ocorre em casos que o terreno deste proprietário está em áreas ambientais, de risco ou fragilidade. Assim, o poder público faz essa intermediação do proprietário com uma empresa imobiliária para realizar intervenções urbanas na área.
Direito de Superfície: consiste na concessão, gratuita ou onerosa, do direito da superfície de um terreno do proprietário deste a outra pessoa. Esse direito cedido permite a utilização do solo, subsolo ou espaço aéreo relativo ao terreno de forma que obedeça ao contrato estabelecido e esteja de acordo com a legislação urbanística. É um instrumento utilizado frequentemente nas cidades para dar utilidade a um terreno por meio de pagamento na maioria das vezes quando o proprietário não tem intuito de utilizar o terreno, mas deseja que nele seja realizado algumas atividades de uso.
Direito de Preempção: consiste na seleção de áreas de interesse do Município para realização de regularização fundiária, execução de programas e projetos habitacionais de interesse social, constituição de reserva fundiária, ordenamento e direcionamento da expansão urbana, implantação de equipamentos urbanos e comunitários, criação de espaços públicos de lazer e áreas verdes, criação de Unidades de Conservação ou de proteção de áreas ambientais, proteção de área e imóveis de interesse histórico, cultural e paisagístico. Quando uma área é marcada no Plano Diretor como passível de Direito de preempção, o proprietário deve notificar primeiramente o Município caso deseje vender o terreno ou imóvel e esperar a manifestação de interesse por um período de 30 dias. Se o município não quiser comprar, aí ele poderá oferecer ao particular.
Operações Urbanas Consorciadas: consiste no conjunto de intervenções e medidas coordenadas pelo Município, com a participação dos proprietários, moradores, usuários permanentes e investidores privados, com o objetivo de promover a ocupação adequada de áreas específicas, por meio de urbanização dessa área ou melhorias de sua infraestrutura. Nessas áreas escolhidas alguns índices urbanísticos são flexibilizados como contrapartida do município, o que permite maior potencial construtivo e maior aproveitamento do espaço construído pelo proprietário e investidor privado.
Abandono: consiste na arrecadação como bem vago por meio de um processo administrativo instaurado pelo Município do imóvel urbano que o proprietário abandonar, com intenção de não mais o conservar em seu patrimônio, e que não se encontrar na posse de outro proprietário.
Contribuição de Melhoria: consiste na captação pelo Poder Público da valorização gerada dos terrenos e empreendimentos em uma área já valorizada que recebeu intervenções de melhorias.
Regularização Fundiária: consiste no processo de intervenção pública, sob os aspectos jurídico, urbanístico, territorial, cultural, econômico e socioambiental, com o objetivo de legalizar as ocupações de áreas urbanas constituídas em desconformidade com a lei, implicando a segurança jurídica da posse da população ocupante.
Instituição de zoneamentos especiais: no que se refere às Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS), consiste na identificação de comunidades precárias já consolidadas, conjuntos habitacionais e vazios urbanos, visando a preservação de tais comunidades e conjuntos, a realização de ações de regularização fundiária e urbanização e a utilização de vazios urbanos nas áreas centrais da cidade e próximo às comunidades para construção de habitação de interesse social ou de aparelhos de uso público. No que se refere às Zonas Especiais de Dinamização Urbanística e Socioeconômica (ZEDUS), consiste na definição de áreas alvo de flexibilização de parâmetros visando atração de empresas para que haja a dinamização socioeconômica e melhorias de infraestrutura. No que se refere às Zonas Especiais de Patrimônio Histórico (ZEPH), consiste na definição de áreas de importância cultural e arquitetônica quanto à presença de patrimônio histórico da cidade. Estes são alguns exemplos de zoneamentos especiais no nosso PD.
Alguns desses instrumentos são autoaplicáveis, ou seja, a partir do que foi estabelecido no plano diretor do município a prefeitura da cidade e suas secretarias já poderiam aplicá-los para atingir seus objetivos. Outros instrumentos são previstos no plano diretor, entretanto demandam aprofundamento em lei específica, quanto ao estudo mais detalhado das áreas ou metodologia escolhidas e estabelecidas pelo plano diretor. Assim, como consequência dessa lei municipal, é necessária a elaboração de outras leis, – processo de regulamentação do Plano Diretor – situação na qual já se pode observar a manifestação da preferência estabelecida pela prefeitura entre esses documentos legislativos.
Tendo em vista os instrumentos trazidos pelo PDP 2009, baseado no que diz o Estatuto da Cidade, e as questões relativas à facilidade de sua aplicação, é possível classificar esses instrumentos quanto a sua autoaplicabilidade.
São autoaplicáveis a partir do que estabelece o Plano Diretor de Fortaleza de 2009 os instrumentos de Parcelamento, edificação e utilização compulsórios; Outorga Onerosa do direito de construir; Transferência do direito de construir; Consórcio imobiliário; Direito de superfície; Abandono; Regularização Fundiária. Como consequência, os instrumentos abordados no Plano Diretor que necessitam de maior detalhamento em legislação específica são o IPTU progressivo; Direito de Preempção; as Operações Urbanas Consorciadas; Outorga Onerosa de alteração do uso do solo; detalhamento das ZEIS e de outras zonas especiais (como as ZEDUS e ZEPH) instituídas e debatidas no Plano Diretor junto com o macrozoneamento.
Devido a situações como essa a hierarquia na legislação urbana do país se torna evidente e necessária. Assim, visto que o Plano Diretor estabelece diretrizes gerais, é preciso que outras leis sejam elaboradas para detalhar certos aspectos evocados, como a Lei de Uso e Ocupação do Solo (LUOS). Esta é responsável por descrever os índices, os instrumentos e exceções referentes a cada zona do macrozoneamento da cidade e das zonas especiais.
Dessa forma, as leis específicas para os instrumentos previstos no Plano Diretor devem abordar pontos específicos e apresentar índices, áreas e informações mais minuciosas decorridas de estudos mais detalhados, porém sempre respeitando o que foi estabelecido no Plano Diretor. Segundo o PDP-For 2009: a lei referente ao IPTU progressivo no tempo é responsável por regulamentar a aplicação desse instrumento estabelecendo, por exemplo, como seria cobrado o valor do imposto e a quem; a lei referente a aplicação do Direito de Preempção é responsável por delimitar as áreas de incidência do instrumento, ao fixar um prazo de vigência e ao indicar a que finalidade se destina cada área; a lei referente às Operações Urbanas Consorciadas é responsável por definir os limites de cada operação nas áreas prioritárias, estabelecidas pelo Plano Diretor, compatibilizando com os planos e projetos específicos das ZEDUS e nas ZEIS; a lei referente à Outorga Onerosa de alteração do uso do solo mediante contrapartida do beneficiário é responsável por regulamentar esse instrumento levando-se em conta as diretrizes presentes na LUOS; as leis específicas referente a ZEIS e ZEDUS são responsáveis por apenas criar e regulamentar essas zonas especiais, entretanto respeitando o estabelecido no Plano Diretor, tendo em vista também que elas serão devidamente delimitadas e detalhadas na LUOS.
Os instrumentos urbanísticos, portanto, mostram-se detentores de um grande potencial de impacto sobre a produção do espaço urbano da cidade de Fortaleza. Eles atendem ao Estatuto da Cidade e aos seus preceitos e durante sua idealização foram diretamente relacionados com o desenvolvimento urbano, com a democratização do espaço urbano e com a gestão democrática da cidade. Mas, a depender da forma de sua utilização pelo Município, podem tornar-se estratégias de segregação e promoção de maiores desigualdades sócio-territoriais. É o que veremos nos próximos textos.
Link para o texto anterior : http://www.lehab.ufc.br/wordpress/o-atual-processo-de-revisao-do-plano-diretor-de-fortaleza-e-a-organizacao-do-campo-popular-do-plano-diretor/
Texto de Vinícius Saraiva, bolsista de extensão do projeto “Direito à Cidade e à Moradia: monitoramento e formação”.