Observatório de Remoções – Fortaleza
A Operação Urbana Consorciada (OUC) do Riacho Maceió foi idealizada na década de 1990. A Lei nº 8.503, de 2002, determina a OUC entre a Prefeitura e a Norpar, hoje Terra Brasilis, dona do terreno. Essa resultou na criação do Parque Otacílio Teixeira Lima Neto, finalizado em 2014. Como parte da Operação, cerca de 87 famílias, moradoras da rua Senador Machado, receberam indenizações para sair das casas. A previsão é que o terreno abrigue um edifício de 52 andares, caso o pedido de outorga onerosa seja aprovado.
Esse instrumento é um tipo de Parceria Público-Privada, no qual uma empresa executa uma intervenção coordenada pela Prefeitura, em troca de uma contrapartida do município. A OUC do Riacho Maceió foi criada na gestão do ex-prefeito Juraci Magalhães, em 1996, mesmo ano da compra do terreno pela Norpar. Mas foi apenas em 2013, na gestão do atual prefeito Roberto Cláudio, que as obras iniciaram, sendo entregues no ano seguinte.
Os objetivos da OUC do Riacho Maceió consistem na recuperação da foz, obras de drenagem, delimitação da faixa de preservação e construção do parque. Além de ser obrigatório a Terra Brasilis manter o Parque do Otacílio Teixeira Lima Neto pelos próximos 10 anos. Como compensação a prefeitura autorizou uma maior permissividade para a construção do edifício que será feito pela construtora Colmeia com a Terra Brasilis. Assim, foi construído o Parque Otacílio Teixeira Lima Neto (Bisão) ou, como é popularmente chamado, Parque do Riacho Maceió. No entanto, para o espaço surgir, cerca de 87 famílias foram removidas da rua Senador Machado pela Terra Brasilis.
A rua Senador Machado
O processo de ocupação da rua Senador Machado, entre o Riacho Maceió e a Igreja Nossa Senhora da Saúde, começou, possivelmente, na década de 50. De acordo com o ex-morador Paulo Lima, 39 anos, pescadores ocuparam o local e construíram as primeiras casas, como aconteceu no resto do Mucuripe. Com o tempo, esses primeiros moradores foram saindo, mas “continuou a maioria sendo filho de pescador que herdou a casa”.
Morador da rua sua vida inteira, a casa de Paulo foi dada de presente pelo avô, no final da década de 70. No entanto, conta que outras famílias moraram durante 50 anos no local. Na adolescência, era frequente escutar que as pessoas teriam que sair de lá, por conta de o terreno ter outro dono, “em um determinado momento, inclusive, passaram um muro cortando algumas casas pelo lado do quintal”. Denise de Sousa, 36 anos, se mudou para a rua Senador Machado com a mãe quando tinha oito anos. Ela também relata essas especulações, “mas depois se acalmava, entende? ”.
Não se sabe ao certo o ano que os moradores começaram a sair por causa da OUC. Na gestão de Luizianne Lins, a prefeitura se recusou a assinar o convênio com a Terra Brasilis, no entanto, Paulo afirma que “foram comprando uma casa aqui, uma casa acolá, passava seis meses compravam outra casa”. Assim, começou o processo de negociação para a venda das casas. Segundo Denise, não houve uma união dos moradores para impedir a saída do local, “eles [os donos] começaram desse jeito, primeiro se conciliando a algumas pessoas da rua”. Durante esse processo, as casas que eram compradas eram demolidas e o entulho resultante era deixado no local acumulando lixo, baratas e ratos, tornando a moradia na rua mais insalubre e insegura.
A família de Denise foi uma das que resistiram à venda. O antigo morador, quem a vendeu a casa, havia entrado com um processo de usucapião desde 1988, porém o processo nunca ia a frente:
“Na época que começou o interesse, o processo resolveu andar. Aí deram que a gente era posseiro, que o terreno era deles”.
A negociação foi um processo complicado, a família tentou recorrer, no entanto, foi dito para eles que, se perdessem, não teriam mais direito a uma indenização, assim acabaram cedendo em 2008.
Anos mais tarde, em 2015, foi a vez da casa de Paulo. Ele conta que chegou uma intimação para desapropriar a casa em 15 dias, porém no outro dia já havia um oficial de justiça e um caminhão para levar os pertences deles.
“Assim, começou uma batalha judicial. A gente atrás de documentação, comprovamos que morávamos lá há mais de 30 anos, tínhamos o documento de compra e venda, só não tinha o documento em cartório, foi uma falha nossa, não ter corrido atrás do usucapião para conseguir a propriedade do terreno”.
Em entrevista para o Lehab, em outubro do ano passado, o diretor da empresa Terra Brasilis, Saulo Militão, afirma que “não tem uma pessoa que saiu que possa dizer que saiu à força”. Denise discorda: “a minha casa era num local excelente, minha casa era enorme, não tinha razão nenhuma pra gente ir querer morar em outro local qualquer”. Conta que a média do valor de venda das casas foram 60 mil reais, pela casa ser maior, a família recebeu 130 mil. No entanto, considera o valor irrisório para o local em que vivia, “já imaginou uma casa na Beira Mar por 60 mil? ”, questiona.
De acordo com ela, o processo de saída foi desgastante para os moradores, “você ser tirada do local que mora, de uma forma que você não quer, você ser obrigada. Acho que ninguém reagiu bem”. A pressão e o esgotamento emocional resultaram em problemas psicológicos nos moradores, a própria mãe de Denise entrou em depressão. Paulo classifica o dia que recebeu o documento para desapropriar a casa como “o pior dia da minha vida”, “vi minha mãe desesperada numa casa que ela tinha construído de forma dura”, relembra.
O prédio de 52 andares
O terreno em que moravam Denise, Paulo e outras famílias vai dar lugar a um edifício construído pela Terra Brasilis e pela construtora Colmeia. O local do Parque é classificado na Lei do Plano Diretor como uma Zona de Recuperação Ambiental (ZRA), “como era uma área de preservação, a gente não podia fazer nada. Tinha uma parte do terreno que a gente podia, mas o índice era 0.6”, explica Saulo Militão. Assim, como contrapartida, o município aumentou o índice do terreno a ser construído o edifício para 5. A empresa solicitou uma outorga onerosa para aumentar a altura máxima permitida resultando em uma torre com 150 metros de altura.
A Outorga onerosa do direito de construir é um instrumento previsto pelo Estatuto da Cidade, no qual o município concede que o proprietário de um terreno mude o coeficiente de aproveitamento da área (índice), porém este aumento não pode ultrapassar o indice máximo fixado pelo plano diretor, que para a área é 0,6. Em troca, uma contrapartida financeira deve ser prestada pelo beneficiário. Em entrevista para o programa Debates da rádio CBN, em julho, a Secretária de Urbanismo e Meio Ambiente, Águeda Muniz, afirma que o projeto ainda não foi avaliado e, dependendo de diversos fatores sobre o empreendimento, a contrapartida paga será calculada.
Além desse, existem outros pedidos de outorga onerosa para a região da Beira Mar. O antigo Hotel Esplanada, o edifício São Pedro, e o terreno ao lado do Ideal Clube tiveram pedidos para alterar a altura máxima da edificação.
Segundo o Diário Oficial do Município, publicado em 2002, o custo total para a implantação do Parque pela Norpar foi de aproximadamente 2,5 milhões de reais. Disso, cerca de 627 mil reais foram destinados as indenizações. Enquanto isso, cada apartamento de 600 m2, do novo edifício a ser construído pela empresa, custará por volta de 7 milhões de reais. Para Paulo, o resultado não procurou beneficiar a população em geral, “aquilo dali, no final das contas, foi mais uma coisa para valorizar o imóvel deles”. A ex-moradora, Denise, relembra na infância quando as ruas do entorno eram bloqueadas para os festejos de Nossa Senhora da Saúde, hoje a festa está restrita no estacionamento e com o novo prédio acredita que “aqui vai se descaracterizar”.
*Reportagem produzida por Aline Medeiros estudante do Curso de Comunicação Social da UFC e bolsista do lehab.