Além disso, a ausência de estudos prévios de áreas-alvo e da elaboração de um masterplan (um plano urbanístico visto de forma geral e de modo que possibilite a fácil compreensão das ações propostas) e de um desenho urbano específico denunciam o atropelo de etapas fundamentais, exigidas em lei, para a construção de uma intervenção coerente na cidade.
Previstas no PDDU de 1992 e instituídas nacionalmente pelo Estatuto da Cidade em 2001, as Operações Urbanas Consorciadas fazem parte do desenvolvimento urbano desde o ano 2000, quando foi publicada a lei específica do primeiro caso de utilização desse instrumento em Fortaleza, a OUC do Riacho Maceió. Desde então a OUC é um instrumento urbanístico cada vez mais presente no planejamento urbano da cidade, tendo em vista que até o ano de 2015 foram publicadas as leis de criação de 7 operações urbanas. Até a instituição desse instrumento de forma mais detalhada e integrada com outros zoneamentos e outros instrumentos urbanísticos, pela publicação do Plano Diretor de 2009, foram publicadas as leis de criação de três Operações Urbanas Consorciadas, a já mencionada OUC Riacho Maceió (2000), a OUC Dunas do Cocó (2004) e a OUC Jockey Clube (2007) (HOLANDA e ROSA, 2017). Além disso, o Plano Estratégico Fortaleza 2040 trouxe sugestão de novas operações urbanas em 2016, o que evidencia o interesse existente nesse tipo de instrumento mesmo que as operações propostas não tenham sido implementadas. Entretanto, no ano de 2017 o Programa Fortaleza Competitiva traz 15 novas OUCs, estabelecendo 6 como prioritárias para serem implantadas em um curto prazo. Dessa forma, é possível observar a rapidez e a frequência da criação de novas OUCs pela cidade o que explicita o interesse das gestões neste instrumento.
Outro instrumento urbanístico que se tornou muito presente em Fortaleza depois de sua regulamentação foi a Outorga Onerosa. Existem dois tipos de outorga onerosa como já mencionado no texto anterior: a outorga do direito de construir e a outorga de alteração de uso do solo. A primeira é de mais fácil aplicação e vem sendo posta em prática desde a publicação do PDP 2009. Entretanto o instrumento da Outorga Onerosa de Alteração do Uso do Solo foi regulamentado somente no ano de 2015, por meio da Lei N°10.335/15, e desde então é utilizado em alguns empreendimentos na cidade.
Frente a isso, é importante destacar como a Outorga Onerosa de Alteração do Uso do Solo é utilizada pela gestão municipal de Fortaleza. O instrumento inicialmente foi idealizado para mudança do uso de um terreno estipulado pelo zoneamento do Plano Diretor, por exemplo para se poder edificar um empreendimento comercial e residencial em uma área na qual foi estabelecida prioridade para usos comerciais. No entanto, esse instrumento é utilizado de maneira diferente pela gestão Roberto Cláudio. Interpreta-se também como alteração do uso do solo um empreendimento habitacional, por exemplo, que ultrapasse de maneira excessiva o índice máximo de edificação de um terreno – em um caso no qual a altura máxima permitida para um prédio habitacional é de 72 metros e o empreendedor privado deseja edificar um prédio com 150 metros de altura, como exemplo. Assim, a Comissão Permanente de Avaliação do Plano Diretor (CPPD), a qual é responsável por propor diretrizes para a política de desenvolvimento urbano, acompanhar sua execução por meio da integração de órgãos da esfera municipal, estadual e federal e aprovar e acompanhar Projetos Especiais e projetos urbanísticos na cidade, interpreta como um projeto que altera o uso do solo por meio do excesso da atividade prevista.
Os projetos que usufruem desse instrumento geralmente passam pela avaliação da CPPD quanto à concessão da outorga e são classificados como “Projetos Especiais” por essa mesma comissão. Alguns casos que exemplificam esse cenário na cidade de Fortaleza é o Ivens Dias Branco Condominium da Idibra Participações S/A, com 139 metros de altura constituindo 40 andares, localizado em uma zona na qual a altura máxima da edificação era estabelecida em 48 metros, e o Edifício One da construtora Colmeia, com 150 metros de altura constituindo 52 andares, localizado em uma zona na qual a altura máxima da edificação era estabelecida em 72 metros. Estes prédios serão os mais altos de Fortaleza e possivelmente os mais caros, visto que no primeiro o m² custará na faixa de R$28.600 e no segundo o m² da região custa em média R$11.500. Ambos os empreendimentos tiveram o projeto de outorga aprovados no ano de 2017, menos de dois anos após a regulamentação do instrumento em lei.
Para além desses dois instrumentos abordados, as ZEDUS já são zonas que integram o zoneamento especial do Município, entretanto que também podem ser consideradas como um instrumento urbanístico trazido pelo Plano Diretor de 2009. Essas zonas especiais são basicamente destinadas à implantação e intensificação de atividades sociais e econômicas, isso ocorre por meio da flexibilização de parâmetros nessas áreas, como já mencionado no texto anterior.
Dito isso, o PDP 2009 estabelece os objetivos desse tipo de zoneamento especial, o qual já apresentava três manifestações criadas anteriormente, Francisco Sá e Centro, e que tipo de instrumentos podem ser aplicados nessa área. Deixando assim a criação de novas ZEDUS a cargo de uma lei específica a ser elaborada posteriormente, entretanto respeitando o estabelecido no plano diretor. Essa escolha da prefeitura contribui para que as ações de planejamento sejam fragmentadas, assim enfraquecendo o planejamento e abrindo a possibilidade para, no cenário futuro que a lei específica seja elaborada, esta não esteja completamente de acordo e integrada ao estabelecido pelo plano e às outras zonas especiais.
Frente a isso, sete anos depois da publicação do PDP 2009, a Lei de Uso e Ocupação do Solo (LUOS) começa a ser revisada e tem sua publicação no ano de 2017. Nessa lei se observa a criação de 20 novas ZEDUS, as quais agora ocupam cerca de 12% do território municipal (BRASIL, CAVALCANTI e CAPASSO, 2017). Diante simplesmente da criação dessas novas zonas, que nem mesmo ocorreu por meio de legislação específica, e do volume de zonas criadas, fica claro que o estabelecido como prioridade no Plano Diretor foi ignorado. Além disso, a LUOS traz o detalhamento dos parâmetros construtivos básicos. Assim, mantém o Índice de Aproveitamento Básico (o mínimo que se pode construir em um terreno específico) instituído anteriormente, porém aumenta o Índice de Aproveitamento Máximo (o máximo que se pode construir em um terreno específico) para o maior valor encontrado na cidade. Ademais, este último índice é exatamente o objeto de Outorgas Onerosas do Direito de Construir, o que evidencia a utilização deste instrumento conjugado com outros instrumentos que induzam a um desenvolvimento urbano voltado para a concentração de poder econômico da cidade.
De forma contraditória, a ZEDUS inicialmente poderia ser importante para a recuperação do investimento privado pela esfera pública, entretanto a contrapartida a ser paga pelo ente privado não veio devidamente definida no projeto da LUOS. Em princípio, a criação dessas zonas exigia a vinculação a um plano urbanístico, uma delimitação participativa e também a instituição da compulsoriedade da utilização, edificação e parcelamento do solo. Dessa forma, observa-se que a elaboração desse tipo de zoneamento especial era, em sua fase inicial de idealização, voltada para a gestão democrática do uso do solo e requalificação ou formação de novas áreas centrais de serviços urbanos e posteriormente foi conduzida por um viés desenvolvimentista focado em questões econômicas.
Dessa forma, a partir da temporalidade do surgimentos desses instrumentos, de sua regulamentação e aprovação, é possível se observar o direcionamento dado ao desenvolvimento urbano da cidade de Fortaleza. Este com seu foco principal no desenvolvimento econômico de alguns setores, visto que os três instrumentos abordados no texto pautam as atuais políticas urbanas, manifestadas através de novos planos estratégicos, programas de desenvolvimento e Projetos Especiais. Os primeiros elaborados pela própria prefeitura com a contratação milionária de empresas de consultoria e o último, que praticamente tem atuado como um outro instrumento urbanístico devido a sua frequente utilização, aprovado pela prefeitura por meio da CPPD.
A relação contraditória entre os instrumentos de desenvolvimento urbano e os instrumentos de gestão democrática da cidade chama atenção. Ambos os grupos são originados e respaldados pelas mesmas leis federais e municipais, entretanto os períodos de aplicação e execução e a frequência do uso desses denuncia um claro desequilíbrio entre a relação desses grupos de instrumentos com a gestão pública da cidade de Fortaleza. Assim, o próximo texto tratará diretamente do percurso e da relação conflituosa dos instrumentos de gestão democrática da cidade com a Prefeitura e seus processos de planejamento e modo de condução do planejamento urbano da cidade.
Link para texto anterior : http://www.lehab.ufc.br/wordpress/o-plano-diretor-e-seus-instrumentos/?fbclid=IwAR0lzX4Un_86r5U1m1OEIj439XMR6sf1Q3e_718bTaHtlGxv7Zt-Prnuyu8
Texto de Vinícius Saraiva, bolsista de extensão do projeto “Direito à Cidade e à Moradia: monitoramento e formação”.